A tensão de passo | Abordagem ao fenómeno
Na passada semana foi noticiada, em diversos órgãos de comunicação social, a morte de 68 cabras “provocada por um relâmpago”. Esta notícia foi vista como algo inusitado pela forma como aconteceu e pelo número anormalmente elevado de animais que morreram.
No entanto, a forma como o assunto foi tratado, levou a que fossem feitas diversas referências erróneas e que o fenómeno que está subjacente a este acontecimento não fosse de todo explicado, ficando os leitores com enormes dúvidas sobre o que provocou tamanha tragédia.
Antes de mais cabe explicar que os títulos das notícias que vimos em vários meios de comunicação contêm um erro que urge corrigir: o relâmpago não pode ter provocado a morte das cabras, a não ser que elas tenham morrido todas de susto…
O relâmpago
O relâmpago é a componente visual do processo de descarga atmosférica. É o fenómeno que resulta da incandescência do ar ao ser sobreaquecido pela passagem da elevada corrente elétrica, como consequência da conversão de energia eletromagnética em energia calorífica.
Associada a este fenómeno temos a existência do raio, ou seja, do canal de descarga da corrente elétrica. O raio pode matar um animal através do impacto direto neste. Podemos assim nestes casos dizer que o animal foi fulminado por um raio. Ora, um raio pode fulminar um animal, mas dificilmente pode fazer o mesmo a 68 de forma simultânea.
Então o que pode ter matado 68 animais? Que fenómeno foi este que afetou alguns animais, não afetou outros e não afetou de todo o pastor que estava junto ao local?
A tensão de passo
O fenómeno é há muito conhecido e são muitos os casos similares a este por esse mundo fora. Este fenómeno dá pelo nome de tensão de passo.
Quando a descarga atmosférica flui para a superfície da Terra, esta vai gerar tensões no solo, podendo surgir diferenças de potencial entre diferentes pontos da superfície do solo nas imediações do ponto de contacto do raio. Assim, é possível que, no momento do impacto, um dado animal ou uma dada pessoa tenha um pé/pata num ponto do solo com um potencial e outro noutro ponto, com outro potencial. Nesse caso, vamos ter uma diferença de potencial entre os pés/patas. Desta forma, o risco de electrocução é real, e vai depender do valor dessa diferença de potencial, do isolamento dos sapatos e de outras características do corpo.
Basicamente, ao redor do ponto de impacto a tensão irá diminuir gradativamente à medida que nos afastamos desse ponto. Assim, com a existência de tensões diferentes em diferentes partes do solo é muito provável que uma pessoa em pé tenha potenciais diferentes nos seus pés, ocasionando a possibilidade de ser eletrocutada. A fisionomia humana protege-nos destes fenómenos pois a nossa anatomia permite-nos ter os pés muito juntos.
Nos animais quadrúpedes, essa impossibilidade resulta numa elevada suscetibilidade a serem eletrocutados em casos de descargas atmosféricas por tensão de passo. Para além disso, a anatomia dos animais quadrúpedes leva a que a passagem da corrente entre as partas dianteiras e traseiras se faça através de órgãos vitais. Pelo contrário, no Homem, a passagem de corrente entre ambos os pés não atravessa órgãos vitais.
É então recomendado que se retirem os animais de campo aberto em alturas de trovoada, colocando-os em estábulos com pisos isolantes ou com malhas metálica no interior do piso que façam a equipotencialização do mesmo. Para as pessoas recomenda-se que, em caso de se encontrarem em campo aberto na iminência de trovoada, não se abriguem debaixo de árvores nem de estruturas proeminentes, mantendo-se imóveis e com os pés bem juntos.